segunda-feira, 5 de julho de 2010

Dois textos acerca do urbano.

A partir da idéia do urbano e do espaço citadino, reuniram-se dois textos para que pudessem ser correlacionados. Embora tratem do mesmo tema, partem de perspectivas diferentes para descrever o urbano. O primeiro texto se trata de uma crônica escrita por Paulo Barreto que assina esta obra, A Rua, pelo pseudônimo de João do Rio. Já o segundo texto é cunho científico e se chama A invenção do urbano: a construção da ordem na cidade , e foi escrito por Roberto Moses Pechman.
O primeiro texto busca tratar do tema urbano através de um olhar mais lúdico e ao mesmo tempo poético acerca do espaço da rua, se utilizando de figura de linguagem como a personificação. Chega mesmo a dizer: “...a rua tem alma!” (p.1), de forma a construir uma imagem desta para além do espaço físico funcional das cidades. Também se refere à rua como formadora de indivíduos sociais, que passam a estabelecer suas relações com o mundo através da rua que habitam. Identifica assim diferentes padrões de comportamento que se manifestam conforme a rua que se tenha nascido ou que se viva. O seu cenário e a cidade Rio de Janeiro e a rua seria um espaço de socialização por excelência.
O segundo texto sendo de caráter científico trata a questão do urbano tendo em vista a delimitação de seu conceito. Para tal o autor faz uma breve regressão histórica para identificar como se deram as primeiras cidades, ainda na idade média. Dá um salto para séc. XVIII e XIX buscando um focar a cidade a partir da idade moderna. Segundo o texto há uma diferenciação entre o conceito de cidade e de urbano, entre o espaço físico e o espaço ideal, subjetivo: ... a história da cidade não é a história do urbano. Epistemologicamente, o urbano deve ser visto como ruptura, momento novo onde os discursos sobre a “cidade” serão uma tentativa de formar um novo objeto. (p. 126).
A partir desta discussão o autor busca perceber a origem da noção do urbano, de forma a identificá-lo como o espaço social, voltado à construção das relações econômicas, sociais e simbólicas. Também conceitua o urbano enquanto espaço onde as relações de produção estão ligadas ao tempo, através de novas formas de dominação que se dão “pelo controle do tempo e que tem como pressuposto o espaço.” (p.128). Tal característica fica mais clara conforme avançam os efeitos da Revolução Industrial sobre as cidades.
Desta forma, cabe agora identificar os pontos de interlocução entre estes dois escritos. Em primeiro pode-se considerar o que Pechman diz acerca do urbano, ou seja, que este não é apenas um espaço físico, como a cidade, mas sim o espaço da “representação, o espaço abstrato” (p. 127). A partir desta colocação abre-se uma ponte para o texto de Barreto, que trata o espaço da rua como o espaço das representações, das relações, das vivencias.
O texto de Pechman retoma ao séc. XVIII, quando se refere às novas idéias que surgiam quanto ao ambiente urbano. Ressalta a influência do Iluminismo neste processo, que faz ascender às cidades como espaço de virtudes, cidadania e civilização: “É nas cidades que é possível apurar o gosto, difundir a razão e formar uma cultura que se distancia da cultura medieval impregnada de misticismo e religiosidade”. (p. 126). Por sua vez Barreto inclui em seu texto idéias análogas quando diz: “Nas grandes cidades a rua passa a criar o seu tipo, a plasmar o moral dos seus habitantes, a inocular-lhe misteriosamente gostos, costumes, hábitos, modos, opiniões políticas”. (p.4)
Os dois textos trazem a idéia de ambiente urbano enquanto lugar potencial de formação dos sujeitos sociais. Ambos entendem que a partir do espaço urbano abre-se uma variada e complexa configuração de tipos sociais, criando um novo padrão de relações refletidas por este modo de vida mais urbanizado. Nos dois textos a literatura aparece como difusora destes novos reflexos que as cidades imprimem aos homens que nela habitam.
Curioso perceber como os dois autores se utilizam de uma mesma figura urbana. O “flâneus” aparece para Barreto enquanto o vagabundo, aquele que vaga pelas ruas, porém investido de uma inteligência e de uma capacidade reflexiva que os distingue daquele desocupado qualquer. Em Pechman, este novo ente sócio-urbano é citado através de outro autor, Walter Benjamim, que aponta para a perda de espaço deste para a nova dinâmica que se impõem às ruas, agora voltadas à circulação e o consumo.
Estes textos entendem o urbano como algo universal, que se expressa em âmbito global, embora os retrate de formas distintas. Barreto, apresenta a rua como um lugar de socialização humana em diferentes cidades do mundo: “ Em Benares, ou em Amsterdão, em Londres, ou em Buenos Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua e a agasalhadora da miséria” (p.1). Pechman retrata tal questão a partir da criação de uma cultura urbana, de como as cidades passam a assumir uma nova função e consequentemente um novo espaço de reprodução social, através da Revolução Industrial. Tal processo se deu um âmbito mundial e são apontados nos dois textos, embora em Barreto de forma poética, enquanto que em Pechman de maneira mais crítica e melhor contextualizada. Contudo não se pode deixar de considerar o caráter distinto do destes trabalhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário