quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"A favela surge da necessidade de onde e de como morar. Se não é possível comprar casa pronta ou terreno para auto-construir, tem que buscar uma solução. Para alguns essa solução é a favela".
Autor desconhecido
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Guardadas as devidas proporções, não seria nenhum absurdo dizer que os problemas das favelas continuam como estava há cem anos atrás. Nessa época, o traço principal da administração pública era o reformador, o higienizador, o civilizatório. A administração do engenheiro Francisco Pereira Passos foi o maior exemplo dessa concepção de urbanização da cidade. Hoje, esses problemas se avolumaram, tomaram novas formas, implicaram novas intervenções, apresentaram-se novas nuances, mas a necessidade de se fazer a “limpeza” da cidade continua figurando nos discursos e nas ações dos políticos e da classe dominante. Essa limpeza é aquela onde as ruas e demais espaços urbanos são “limpos” dos “maus-cidadãos”. O Estado, via de regra, interveio na questão de forma paliativa, sem ter por suas populações o devido respeito. Um exemplo disso é a forma como são tratados os moradores das favelas.
Se faz relevante destacar que no Rio de janeiro as favelas se proliferam a uma velocidade impressionante, onde o Estado se faz presente por meio da coerção.
Estudos nessa direção tem sempre demonstrado a gravidade da situação em que se encontram as favelas do Rio de janeiro, sejam eles censos demográficos, estatísticas sobre a violência, teses sobre questões urbanas, livros e ensaios editados dentro dessa temática. A pobreza tende a ser pensada pelo censo comum como sinônimo de criminalidade, pura e simplesmente, atribuindo à favela adjetivos de violenta e conseqüentemente criminosa, é aí que fica “estabelecida/cristalizada a relação entra vadiagem/aciosidade/indolência e pobreza e entre pobreza e periculosidade/violência/criminalidade”. (COIMBRA 2001: 105) Entretanto, associar a pobreza só ao fator criminalidade significa restringir sua abrangência que é muito maior.
O que se faz necessário e com urgência, não é promover revoltas, mas sim, inspirar a busca de novos caminhos, novas aspirações, sem deixar que os “movimentos” surgidos daí sejam cooptados e/ou esvaziados pela ação “reformadora” doa ideais burgueses.
Encerro essa breve análise com um maravilhoso achado da internet que já diz tudo: a música Viver em favela não é fácil não do MC – Okado

Morar na favela não é fácil
Quem mora no Arruda deve tá ligado, então
Morar na favela não é fácil
Quem mora em Santo Amaro também deve estar ligado
Tem muito amigo que se foi e eu fiquei foi por aqui
Eu sou B’boy, capoeirista, grafiteiro, M.C.
Junta aí amigo, se eu falei mal,
eu sou M.C. Okado, lá da beira do canal
E digo mais, na moral, em cima do encerado
eu não pago paio pra ninguém. Nesta vida de cão
você só vale o que tem.
Refrão
Pretos e favelados são rejeitados num horário de trabalho
e ainda são chamados de otário
Na favela a bala rola, tem muitos “aviciados”
que cê não pode jogar bola e, se brincar, joga sua vida fora.
Com tanta violência eu nem sei o que fazer
Deus está comigo, nunca vou me envolver
Refrão
Morar na favela, mas que terror!
A maioria das mortes passa tudo em Cardinô
O grande formador da desgraça de Pernambuco
exibe com orgulho o fim de vários malucos
Se alimenta de pá-pá-pá e vários defuntos
Sem talento, sem propostas, sem bom-senso e sem assunto.
Refrão



Dissertação final da disciplina elaborada pela discente: Tatiana Neves.


Retido do site: http://www.shinealight.org/Texts/AtoLetras.pdf


Referência Bibliográfica
COIMBRA, Cecília. Operação Rio. O mito das classes perigosas: um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança pública. Rio de Janeiro, Oficina do autor. Niterói, Intertexto, 2001.
http://www.shinealight.org/Texts/AtoLetras.pdf

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O binômio: favela criminalidade

O que se pretende neste texto é resgatar o histórico estigma das favelas como redutos de criminalidade, de imoralidade e de contaminação. Para isso me apoio no texto de Mattos: “Aldeias do Mal”, que traça uma linha histórica acerca desta percepção criminalizante.O autor resgata as políticas estatais voltadas às favelas, para mostrar como o poder público tratou esta questão ao longo do séc. XX.
Comecemos com a idéia de favela enquanto lugar marcado pela falta, pela escassez, pelo pouco acesso, sem higiene, onde as pessoas travam relações sociais degeneradas e onde a desordem pública é uma constante. Esta era a visão que se desenhava destes locais em finais do séc. XIX.
“É um lugar onde reside a maior parte dos valentes da nossa terra, e que, exatamente, por isso – por ser o esconderijo de gente disposta a matar, por qualquer motivo, ou, até mesmo sem motivo algum, não tem o menor respeito ao código penal nem a polícia, que também, honra lhe seja feita, não vai lá, senão nos grandes dias do endemoninhado vilarejo”
Correio da manhã; matéria sobre o Morro da Favela, 1909.

Esta matéria remonta a época em que surgiram as primeiras favelas na cidade do Rio de Janeiro. O contexto era o de crise de habitação, que assumiu maiores proporções a partir dos fluxos migratórias de ex-escravos e trabalhadores livres europeus em direção ás cidades. No caso do Rio, o centro da cidade se sobrecarregara com cortiços, que passaram a ser demonizados e caçados, culminando nas grandes demolições promovidas pelo poder público da Capital Federal, na altura. Embora o pretexto fosse a falta de higiene, habitabilidade e risco à ordem pública, o que havia de fato era um o interesse na abertura destes espaços centrais à especulação imobiliária.
A população remanescente dos cortiços, assim como os ex-combatentes da Revolta da armada, já sem locais de moradia passaram a ocupar os morros e encostas do centro da cidade ainda em finais do séc. XIX. Surgiam desta forma as primeiras favelas. O poder público intervinha, vez por outra, nos morros da região central, dado o destaque que assumiram. Já aqueles mais afastados, como o Morro da Favela (atual Providência), resistiram mais tempo às intervenções, dada a sua fama de “violenta e incivilizada”, assim considerada sobretudo pela elevada presença de negro.
Nesta época surgia o germe da idéia da favela como um local separado do espaço da cidade. Um exemplo eram os investimentos públicos em obras de embelezamento das áreas de interesse urbano, de forma a associar-lhe uma imagem mais moderna que remetesse as grandes capitais européias. As favelas, por sua vez, destoavam, em muito, das novas tendências urbanas pretendidas para a cidade do Rio.
A reforma urbana de Pereira Passos, em prol da modernização do centro, na primeira década do séc. XX pôs a baixo quarteirões inteiros de cortiços. Para os moradores destes locais restava o deslocamento para os subúrbios e /ou a ocupação dos morros, que passam a ser uma opção mais barata para aqueles que queria permanecer num centro supervalorizado. A partir de então, não demorou para que os morros fossem considerados de alta periculosidade, sendo até mesmo chamados de “aldeias do mal” ou “da morte”. Tal visão deturpada veio a se abrandada, nos anos 20 do séc. XX, quando os moradores de favelas começam a ser associados à condição de trabalhadores, pobres, porém honestos. Esta valorização positiva, no entanto, não conseguiu desfazer o forte estigma de favela.
Já no período do pós guerra, os morros passaram a ganhar uma nova conotação, ou seja, agora vistos sob uma perspectiva antropológica, através do interesse de estudiosos e acadêmicos europeus, curiosos pelo modo de vida nas favelas. A partir daí, cresce também a curiosidade dos artistas e músicos brasileiros. A favela vai, aos poucos, ganhando maior destaque, chegando ser considerada como um dos símbolos nacionais. Porém seus residentes ainda sofrem os velhos estigmas da violência e marginalidade.
Entre os primeiros projetos urbanos que fazia referencia as favelas remonta-se os ano 20 quando, a convite do Governo, o urbanista francês Alfred Agache engendrou um plano para a cidade do Rio. Neste não havia lugar para as favelas, pois na visão de Agache, elas eram um risco a segurança, a ordem social e a saúde pública. O Urbanista se referia as favelas como “chagas” ou “lepras”, reproduzindo o padrão do pensamento elitista de cunho conservador, preconceituoso e estigmatizante. Com os rumores de destruição das favelas, muitos artistas populares relacionavam suas composições aos morros cariocas.
Felizmente este projeto fora arquivado na era Vargas, uma vez que este governo fora marcado pela busca de legitimação popular. O chamado “Pai dos pobres” chegara mesmo a defender, de certa forma, os favelados das ações de despejo dos proprietários das terras invadidas. Esta postura não durou muito, já que no Código de Obras do Estado Novo, de 1937, previa-se a eliminação das favelas. Sendo esta a primeira política formal que incluía locais de moradia precária, pode ser considerada como um marco na aproximação efetiva do Estado, visto que até então era a imprensa que se ocupara destes espaços de uma forma fiscalizadora.
Tal aproximação permitiu a entrada de profissionais nas favelas, como médicos e assistentes sócias. Contudo, a ação destes profissionais vinha carregada de um olhar preconceituoso, baseado em valores morais conservadores. Entre as propostas de controle demográfico para favelas, constava o impedimento da entrada de indivíduos pobres no município do Rio de Janeiro.
Contraditoriamente o governo Vargas reforça, no plano cultural, as potencialidades do povo brasileiro. Há registros jornalísticos, pró Getulio, que exaltavam a imagem do malandro das favelas, como personagem da cultura nacional ainda que a contragosto de assistentes sociais e profissionais da saúde. Esta dicotomia entre as opiniões de profissionais de intervenção social e sanitaristas e dos jornalistas configura-se em uma contradição de fundo ocupacional. Enquanto os primeiros eram mais pragmáticos e defensores da intervenção estatal, os segundos atuavam no plano simbólico no intuito de marcar positivamente o Estado Novo. Contudo, havia um consenso entre ambos: o investimento em educação como forma de resolver o problema moral das favelas.
Quantos as políticas habitacionais deste Estado Novo, estas apresentavam, de forma protagonista, certa preocupação com as camadas mais pobres. Através destas políticas, foram inaugurados parques proletários em localidades como Gávea, Caju e Leblon, recebendo cerca de oito mil pessoas. Mais a diante, com a valorização destas áreas, tais parques foram sendo desalojados ou removidos.
Deve-se destacar o envolvimento da Igreja católica, através de intervenções locais, respaldados pelo Estado como forma de impedir que a ideologia comunista se difundisse entre os favelados. A criação da Fundação Leão XVIII, em 1946, foi uma forma de prevenir tal ameaça vermelha, justo em um contexto que o Partido Comunista Brasileiro era a terceira força política da capital. Nesta perspectiva, Estado e Igreja atuavam através de iniciativas como a criação da Cruzada São Sebastião (1955) e o Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações Anti Higiênicas (1956). No ano seguinte realizou-se o I Congresso de Favelados do Distrito Federal e Coligação de Trabalhadores Favelados. A população nas favelas, nesta altura, crescia exponencialmente frente a população da cidade.
Os anos seguintes foram de marcados pelas políticas de cunho desenvolvimentista, que no Rio de Janeiro foram engendradas por Carlos Lacerda. No contexto de renovação urbana, mais uma vez se apostou na política de remoção. Tal campanha assumiu maiores proporções a partir da ditadura militar, com destaque para o ano de 1968, quando se criou a Coordenação de Habitação de Interesse Social, focado na área metropolitana do grande Rio. O Estado assumiu uma postura radical o que acabou culminando na articulação política dos moradores de favelas. Em 1962 é criada a Federação das Associações das Favelas do Estado da Guanabara. Os dados apontam para oitenta favelas atingidas, 26.193 barracos destruídos e 139.218 habitantes removidos entre 1962 e 1974. Muitos líderes comunitários foram assassinados neste período, fruto da política fascista desta fase da Ditadura Militar.
Enfim, o artigo de Mattos refere-se à imprensa escrita e televisionada como responsáveis pela associação vitoriosa entre violência e favela, através da equação pobreza – criminalidade e marginalidade. Tendo em vista o auto índice de violência nas favelas associadas ao auto índice de morte dos jovens habitantes, o autor interroga o interlocutor acerca do por quê dos moradores das favelas serem associados à criminalidade e violência e não como as maiores vítimas deste fenômeno. Ao mesmo tempo indica a resposta através do estigma histórico que envolve falta de segurança, higiene e moral, Percebe-se que os motivos desta visão deturpada dos favelados têm a mesma cara que aqueles do começo do século XX.

domingo, 1 de agosto de 2010

5 x Favela | clips Cannes 2010 SPECIAL SCREENING Cacau Amaral



O vídeo destacado representa medidas locais de luta contra a pobreza, respeitando a particularidade de cada espaço e fazendo uso da parceria, voluntarismo. De forma a proporcionar maior integralidade das ações que se tornam fundamentais na luta contra a exclusão, constata-se no vídeo que a favela (como lócus do "mal", conforme o senso comum) e seus sujeitos "nativos" complementam a cidade, compreendida, como formal. Deve-se entender que a exclusão (como um processo de intenso dinamismo) abarca, além da dimensão econômica, a dimensão política, incidindo, negativamente, no desenvolvimento do sujeito individual e coletivo, minimizando o direito à cidadania destes.
Historicamente, séries múltiplas de precarização do mundo do trabalho (principalmente, no final do séc.XX) denunciam o grande contingente populacional fora deste mercado formal. E, nesta condição desfavorável, sujeitos estão submetidos à lógica da informalização do trabalho (trabalho temporário, precarizado, entre outras denominações da lógica do capital que, conforme Marx, tem tendência a reduzir o trabalho vivo requerido para fabricar um produto). Nos termos de Antunes (2010), a subproletarização como um dos novos modos de geração da mais-valia, ao mesmo tempo em que expulsa da produção uma infinitude de trabalhadores que se tornam sobrantes, descartáveis e cuja a função passa a ser de expandir o bolsão de desempregados, deprimindo ainda mais a remuneração da força de trabalho em amplitude global, pela via da retração do valor necessário à sobrevivência dos trabalhadores.
O vídeo realça a participação de sujeitos (residentes da própria favela) retratando parte de seu cotidiano e complementando a venda de um produto "estranho" à cidade formal. Muitas participações neste novo tempo de trabalho estão submetidas à medidas alternativas frente a contratualidade formal trabalhista e sem estarem protegidas (conforme legislação), exigindo o empreededorismo individual de tais sujeitos para que alcancem a "empregabilidade".

Segundo Cardoso (Abril, 2008) nada mais "polivalente" e digno do espírito empreendedor de "assumir riscos" do que a viração cotidiana da luta pela sobrevivência nas cidades (...) as formas da autoconstrução e do trabalho precário. Na realidade brasileira, verifica-se que a política de trabalho (formalmente, legitimadas) e políticas assistenciais, tendem a direcionar as suas ações ao trabalhador pobre. A leitura interpretativa do vídeo pode ser compreendida fazendo uso das palavras de Cardoso (Abril, 2008), as políticas assistenciais que se voltam para a tarefa de geração de uma "inclusão produtiva" dos grupos de escassa capacidade de inserção no mercado de trabalho (...) .
Empreendedorismo, trabalho voluntário, cooperativizado, terceirizado, entre outras diversificações, representam a busca incessante do aumento da produtividade do trabalho. Deve-se atentar que o trabalho informal não é independente do trabalho formal e que a informalidade não é uma prática nova, mas, de acordo com o padrão de exigência da lógica capitalista, possibilita a combinação da extração da mais-valia relativa com a mais-valia absoluta (conforme Marx), considerando as diferentes formas da inserção dos sujeitos no trabalho informal (sempre de forma subalterna) no modo de produção capitalista. O próprio Capital e toda a sua lógica (principalmente, no que tange à inovação) se apropria das estratégias de sobrevivência dos sujeitos (ora individuais, ora coletivos) criando verdadeiros factóides de independência frente ao poderio econômico/político deste.
As diversificações do mundo do trabalho resultam numa série de perdas, principalmente, para os sujeitos de menor poder aquisitivo, já que a maioria de suas demandas imediatas são atendidas na esfera do mercado, resultante do Estado mínimo para o social e máximo para o Capital. Aposentadoria, FGTS, auxílio-doença, licença-maternidade, entre outros, representam direitos para um contingente bastante reduzido (de considerável poder aquisitivo) da informalidade (autônomos, liberais, empresários, outros). O próprio Estado formaliza tal situação, como por exemplo a Lei do Empreendedor Individual de 1º de julho de 2009, com intuito de promover a inclusão social e econômica deste reduzido contingente (empreendedores com receita bruta anual de até R$ 36 mil, ou seja, R$3 mil por mês, nas atividades de comércio, culinária, artesanato, serviços de estética, serviços de manutenção e reparação em geral, etc)visando contribuições para aumentar a arrecadação nacional.
Desta forma, compreende-se que tal legislação aprofunda ainda mais o abismo das diferentes categorias dos sujeitos na esfera informal, contrapondo costureiras x empresários têxteis, entre outros. Deve-se atentar que muitos trabalhadores informais agregam a mão-de-obra de familiares em seus espaços privados para complementar a renda familiar, como estratégia tradicional de sobrevivência.
Conclui-se que a questão estratégica de sobrevivência não está atomizada de toda a lógica capitalista, mas sim, em consonância com o desenvolvimento e valorização do capital, de acordo com o cronograma: produção -> circulação da produção -> minimização dos direitos -> apropriação do capital. Torna-se flagrante a presença interventiva do Estado no social visando proporcionar condições dignas de cidadania para um grande contingente expropriado pela corrosão de diversos direitos.



Dissertação final da disciplina desenvolvida pelo discente: José Aloísio.


Referências bibliográficas:

ANTUNES, R. Os modos de ser da informalidade : rumo à uma nova era da precarização estrutural do trabalho ? Revista Praia Vermelha / Rio de Janeiro / v.20 nº 1 / p.11-20 / jan-jun 2010.

CARDOSO, I.C.C. À procura de antigos e novos diálogos entre o direito à cidade e o direito ao trabalho: a cidade do Rio de Janeiro em foco.
In: GOMES, M.F.C; FERNANDES, L.L; MAIA, R.S (orgs). Interlocuções Urbanas : cenários, enredos e atores, Rio de Janeiro: Arco Iris, 2008.

GOMES, M.F.C., PELEGRINO, A.I.C., FERNANDES, L.L & REGINENSI, C. (orgs) Desigualdade e exclusão nas metrópoles brasileiras: alternativas para seu enfrentamento nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arco Iris, 2006.








quinta-feira, 22 de julho de 2010

Fichamento do texto: Os bairros urbanos como lugares de práticas sociais. GONÇALVES. Antônio Custódio. Pag. 15- 32

Os bairros urbanos como lugares de práticas sociais

Considerações Preliminares
“Na abordagem deste tema, impõem-se duas considerações preliminares: A primeira refere-se ao modelo conceptual e ao enquadramento teórico ...” (pág 15).
“A segunda está relacionada com os objetivos...” (pág 15).
“A questão central da nossa análise refere-se ao significado de espaço na explicação da vida social e aos efeitos diferenciados das diversas estruturas morfológicas...(pág. 15).
“Desenvolver-se-ão quatro questões fundamentais: a primeira refere-se a configuração sociológica de centro de bairros...”(pág. 16).
“A segunda relaciona-se com a heterogeneidade ou homogeneidade interna dos bairros. Distingui-se-ão alguns tipos de população, a partir do cruzamento de duas variáveis: uma de ordem econômica (...) a outra de ordem cultural...” (pág. 16).
“A terceira e quarta questões referem-se às relações entre a lógica de apropriação (...)as duas variáveis precedentes são cruzadas com alguns modos de comportamento...” (pag. 16).

Configuração Sociológica de Centro e de Bairros
“...enquanto que o centro é tanto mais valorizado quanto mais aberto se apresentar a todos os tipos de populações, de utilizações e de apropriações simbólicas, os bairros, ao contrário, são mais valorizados quanto à intensidade da significação e quanto à qualidade de utilização e de apropriação simbólica...”(pág. 16).
“Trata-se de um tema (...) embora complexo quanto a à questão da definição e da delimitação do bairro e quanto à questão das incidências da hegemonia da perspectiva funcionalista...” (pag. 16).
“ Em ordenamentos territorial apresentam-se muitas definições de bairro ... sem haja consenso quanto à dimensão do espaço, quanto ao conteúdo e extensão das características sociais e quanto à densidade da interação. Em sociologia interessa analisar a relação vivida a um determinado espaço ( ...) ligada a uma conotação afetiva, mais ou menos pronunciada em termos de atração ou de repulsa ...” (pag. 17).
“Se os termos de bairros e de centro reenviam ambos a uma repartição formal do espaço, o primeiro ganha em intensidade de significação quando ao seu conteúdo é especificado, enquanto que qualquer especificação reduz o sentido do segundo. Na verdade os termos de centro direcional, centro administrativo, centro comercia, centro cultural reenviam a um processo de revitalização do centro urbano, por meio de um zonamento de atividades e de populações mais diversas, quer residentes, quer utentes. O bairro caracteriza-se como sendo um lugar onde esta presente ( ...) uma população e/ou uma função particulares, ( bairros operários, bairros residenciais, bairros comerciais, bairros sociais (...) expressões que, em alguns casos, se convertem). Assim, centro polifuncional com populações diversas e bairros caracterizados predominantemente (... ) parece nos ser os elementos constitutivos necessários à vitalidade duma cidade” (pag. 17).
“(... ) parece nos importante que este centro e os bairros se organizem em continuidade e complementaridade funcional, residencial e arquitetônica do espaço social” (pag. 17).
“Esta continuidade e complementaridade funcional, residencial e arquitetônica é, ... posta, ( ...) em causa com operações de renovação e de restauro que ,( ... ) levam {à supressão de bairros de função especifica, indispensáveis ao equilíbrio urbano. A Ribeira e o Barreto são exemplos típicos de tal situação. Situadas na margem direita do Rio Douro, ( ...) estas ares são habitadas (... ) por antigos imigrantes de meios rurais e por populações (... ) que se dedicam ao comercio a ao artesanato. Neste espaço social da cidade, (...) criou-se um modo de vida muito próprio, com características socias e culturais específicas, de vidas à coexistência do espaço funcional, da relação residencial, da atividade econômica e da criatividade lúdica” (pag. 18).
“(...) Convivialidade e centralidade (...) parecem dever ser outras características relevantes destes espaços sócias, (... ) estes bairros afirmam-se não tanto no âmbito duma hierarquia funcional, mas numa posição de supra – funcionalidade” (pag. 18).
“Com a acentuação da terceirização do centro histórico da cidade começam, numa primeira fase, as operações de renovação, ( ...) da área da Ribeira – Barredo (CRUARB), com o objetivo de manter a função residencial, ( ...) numa fase posterior, porém, esta política é alterada: promove-se prioritariamente a terceirização turística com a recuperação de prédios do patrimônio cultural e com a intensificação de atividades artesanais, comerciais lúdicas. Tal política, que se insere no processo de revitalização do circuito econômico do centro comercial e turístico da cidade ( ...)” (pag. 18/19).
“À política destas duas fases parece nos estar subjacentes a dois modelos teóricos e duas perspectivas diferentes: a primeira é caracterizada pela equivalência formal entre o passado e o moderno, consubstanciada pelo urbanismo hausmaniano (...) a segunda, inspirada num materialismo determinista, assenta fundamentalmente numa ruptura com o passado para afirmar exclusivamente o futuro e numa analise da espacialização da vida social ligada ao tipo de poder, quer econômico quer político, que ai se exprimi”( pag. 19).
“ (...) são eliminados da cidade ( ...) todos os bairros que se destroem ou reafetam em nome duma salubrização material ou moral. Tal aconteceu com as chamadas ilhas do Porto, ( ...) Estas ilhas estão ligadas à imigração rural para a cidade e ao desenvolvimento industrial da cidade, situando-se, por isso, perto das principais zonas industriais e sendo ocupadas predominantemente por operários, ( ...) as sucessivas companhias de salubrização destas ilhas conduzirão a destruição de muitas delas ou à remodelação de algumas e ao realojamento das populações em bairros sociais periféricos” (pag. 19/20).
“Surgem, entretanto, novas formas de urbanização, caracterizadas pelas funções sociais do urbanismo, de concepção utilitária e econômica e com uma densa ocupação funcional do espaço construído” (pag. 20).
“ A adaptação de bairros antigos e de velhas construções a novas utilizações é, sem duvida, essencial à própria vida da cidade” (pag. 20).
“ O grande problema das renovações parece-nos residir no fato de elas suprimirem abruptamente certas utilizações e/ou certos utentes (...) os trabalhos da Escola de Chicago que defendia que a cidade se caracteriza pela substituição constante de utilizações e dos utentes mais fracos pelos mais fortes, ( ...) é apresentado como normal e natural ( ...) a questão reside, ... em saber como permitir estas mudanças sucessivas de utilizações e de utentes, que constituem o meio e o indicados da vitalidade de uma cidade, tornando-se necessário que cada atividade, mesmo marginal, e cada grupo social, mesmo desfavorecido, conserve aí o seu lugar que corresponde às suas necessidades” (pag. 21).
Homogeneidade ou Heterogeneidade Interna dos Bairros?
“(...) À maior parte de projetos de urbanistas defendem a heterogeneidade, ( ...) vendo nessa heterogeneidade o meio privilegiado para a realização de três objetivos principais: enriquecer a vida de cada um com a variedade de contatos, promover o ideal da tolerância e da compreensão e a melhoria do conhecimento recíproco e propor aos mais desfavorecidos modos de vida alternativos, ajudando-os na sua ascensão social” (pag. 21).
“A convivência em unidades residenciais ou em imóveis de populações com estilo de vida e de recursos muito diversificados, (...) é freqüentemente causa de frustrações de conflitos” ( pag. 22).
“Todas as considerações feitas a propósito da homogeneidade ou heterogeneidade devem interpreta-se no contexto cultural em que hoje vivemos (...) o desejo de ter como os outros torna a percepção das diferenças mais ou menos insuportável, e estas são rapidamente lidas em termos de injustiça, o que provoca a frustração, e por vezes, a violência” (pag. 22).
“(...) A convivência de populações relativamente próximas umas das outras provoca uma possibilidade de confusão, que pode ser lida positiva ou negativamente: positivamente, se , convivendo com pessoas consideradas superiores a si, se espera ser assimilado a elas por uma leitura exterior: é a expectativa traduzida em certas mudanças de residência, que antecipam uma ascensão social esperada ou confirmam uma realizada; ( ...) a vizinhança de populações socialmente próximas uma das outras, mas que insistem nas suas diferenças, não favorecem a criação de solidariedades (...) as possibilidades que se tem de fazer aceitar ou impor aos outros o seu modo de vida como sendo o modo de vida legitimo, não são as mesmas para todos os meios sociais; por isso, a heterogeneidade pode levar à rejeição como ilegítimos de comportamentos e de maneiras de ser e de fazer adaptados pelos meios sociais culturalmente dominantes”( pag. 22/23).
“(...) os ruídos dos vizinhos são tanto mais incômodos na medida em que exprimem outros modos de educação das crianças ou outros gostos musicais (...) a partilha duma mesma concepção da qualidade do ambiente, da educação das crianças, o mesmo sentido de limpeza e da sujidade, da beleza e da fealdade reduz as ocasiões de conflito e minimiza as exigência de regulamentos explícitos” (pag. 23).
“Uma certa homogeneidade de populações favorece a construção da sua identidade e das suas identificações” (pag. 23).
“ A heterogeneidade dos bairros (...) cria a existência de escolhas na escala global da cidade, permitindo, assim, a expressão numa mobilidade residencial de uma mobilidade social maior ou menor”(pag. 24).
“(...) as expectativas em relação à vida dos bairros diferem e as solidariedades não se desenvolve necessariamente de maneira privilegiada com base espacial”( pag. 24).
“A dominante social e/ou a particularidade funcional dum bairro constituem freqüentemente o elemento atrativo ocasional para outras populações (...) a atração dos bairros populares é muito maior que a dos bairros burgueses (...)” (pag. 24).
“(...) os bairros com mais segurança efetiva são justamente ou os ocupados por meios populares, para quem a rua é um lugar afetivo de apropriação, onde cada um se sente responsável e como que em sua casa, ou os que constituem o território de minorias marcadas por uma ou outra forma de ilegalidade e desejosas de aí assegurarem a ordem. Querer eliminar da cidade estas populações e atividades, leva quer à dispersão (...) à insegurança, quer a recriação de outros lugares próprios em condições mais desfavoráveis, tanto para si próprias, como para o equilíbrio global da cidade” (pag. 25).
“Assim, uma homogeneidade relativa das unidades residenciais parece mais favorável, do que uma heterogeneidade reduzida, a contatos positivos entre populações diferentes (...)” (pag. 25).
“Além disso, o conceito de uma cidade viva, centro de vida, de contatos e de confrontos, supõe também uma nova política quanto ao zonamento do espaço (...)” (pag. 25).
“Esta nova política do especo não se opõe à necessidade de dominantes funcionais (...)” (pag. 25).
“Para além das razões (...) outras foram evocadas por Amos Rapoport e que, segundo ele, explicam a tendência para ocupação de bairros onde prevalece a percepção da homogeneidade (...) A homogeneidade diminui o estress e a necessidade de informação (...) A homogeneidade proporciona um apoio mútuo em momentos tensão ou de mudança cultural (...) a existência de numerosas zonas homogenias, do ponto de vista interno, aumenta a escolha no conjunto global da cidade e, em termos de qualidade estética, permite a personalização de cada espaço (...) os grupos e os indivíduos vêem mais facilmente manifestar-se a sua identidade através do espaço e podem transmiti-la reciprocamente (...)” (pag. 26).
“Está análise de Amos Rapoport parece-nos interessante (...) por outro lado, leva-nos a abordar, (...) duas questões importante: a lógica de apropriação e a lógica de produção do espaço social, a dimensão do bairro e o problema do bairro como base espacial de participação ou de retreinamento (...)” ( pag. 25/26).
Lógica de Apropriação do Espaço Social do Bairro
“ As percepções e significações doa bairros estão relacionadas com a questão da dimensão do bairro. Esta questão da dimensão do bairro só tem sentido, (...) na medida em que é redimensionada pelas percepção e pelas práticas sociais (...)” ( pag. 27).
“A dimensão ideal do bairro tem sido amplamente desenvolvida em planeamento urbano (...) um dos principais defeitos de algumas destas cidades novas: a imbricação progressiva das formas e das ambiências, (...) o tecido e traça arquitetônica (...)” (pag.27).
“Esta diversidade de dimensões e está ausência de ruptura quanto à forma e quanto à função, como quanto à ambiência parece encontra-se a nível das percepções e das utilizações, de três maneiras que se interpenetram. Primeiro, p tipo de utilização influencia a dimensão do bairro (...) num bairro residencial urbano os comércio em sentido lato, vão, freqüentemente, reagrupar-se no cruzamento de ruas. Depois, a concentração será maior, na medida em que a sua utilização e a sua função se apresentarem altamente especializadas. Por último, as percepções e as práticas sociais definem os bairros (...)” (pag. 27/28).
“(...) Para certas populações, o bairro é o lugar de enraizamento total e quase exclusivo. (...)” (pag.28).
“Ao invés desta situação globalizante em que a vida social se inscreve totalmente em formas e em espaços concretos, encontram-se os bairros (...) o bairro é, antes de mais, um modo de se dar e ver socialmente e uma promoção quanto ao alojamento; não é a base privilegiada das relações, nem o lugar de utilizações cotidianas, dispersando-se estas segundo o seu tipo pelo território mais vasto de toda cidade.” (pag. 28).
Lógica de Produção do Espaço Social do Bairro
“A noção de bairro não pode dissociar-se dos modelos culturais. Para uns, o bairro é vivido como algo próximo da comunidade (...) Para outros, (...) o bairro é o lugar de residência, e, cada vez menos, o lugar de relações intensas (...)” (pag. 29/30).
“(...) importante refletir sobre o projeto daqueles que insistem na idéia de bairro como lugar privilegiado de vida e de expressão de convivialidade (...) conceber o bairro como lugar de comunidade, associando a está apenas conotações positivas, pode convertê-lo em um lugar de controle máximo, de limitação à liberdade, à inovação e à mudança.” (pag.30).
“Para além da evocação de comunidade, a idéia de bairro reenvia também ao problema da participação. (...) um envolvimento muito intenso na vida do bairro não favorece uma visão mais ampla dos problemas e oculta o peso das determinações econômicas e políticas (...)” (pag.30).
“(...) O bairro define-se através do vivido e do agir social, consolidando-se a partir da sua história. O bairro é, pois, polissêmico e não rigorosamente delimitável. Por outro lado, se a significação atribuída ao bairro não é a mesma para todas as pessoas, o interesse pelo bairro pode concretizar-se, para uns, numa tomada de consciência de problemas globais (...) enquanto para outros pode acentuar um comportamento de reitraimento e de enquistamento (...)”( pag. 30)
“ (...) a cidade global e os bairros específicos assumam (...) o seu papel dinâmico como lugares de encontro e de expressão. (...) Importa (...) assegurar a cada meio social um espaço em que ele possa dominar as regras de utilização (...) importa , igualmente, melhorar a qualidade dos espaços públicos (...) implica, ainda, melhorar a qualidade dos lugares semi-públicos (...). Estas ações exigem, porém, uma reflexão concertada sobre a cidade (...). O espaço social urbano aparece, assim, ligado a um novo paradigma e a uma matriz urbanística, que exprime novas maneiras de coexistência e novas práticas sociais.” (pag. 31).

Por: Tatiana Neves.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Repensando a "periferia" metropolitana à luz da mobilidade casa-trabalho.

autora: Luciana Corrêa Lago

Ao longo dos anos, o acesso das "classes populares" à moradia e ao emprego formal tem diminuido, no que se configura como alterações no mundo do trabalho e no "mundo da vida", repercutindo sobre a dinâmica da vida urbana, em especial sobre as formas de integração à metrópole.
partindo da tese, divulgada por orgãos públicos e a mídia, de que estaria ocorrendo, no Brasil, uma crescente imobilidade espacial dos trabalhadores mais vulnerabilizados no interior das cidades.
Ao pensar sobre tal fenômeno, estão presentes três hipóteses:
1- O aumento da imobilidade dos trabalhadores estaria ligada ao crescimento da economia informal precária nas áreas periféricas, gerando uma descentralização econômica "perversa", ou seja, precariamente de "auto-subsistência".
2- O aumento da imobilidade estaria relacionado a um maior dinamismo econômico em sub-centros periféricos, através da expansão do capital, e consequentemente a um mercado de trabalho para os setores médios, gerando, ainda, uma economia informal de baixa qualificação.
3- O aumento de desocupados que não teriam condições de se deslocarem para os centros
em busca de trabalho, mantendo sua condição de desocupado.
As três hipóteses poderiam justificar a expansão das favelas nas zonas periféricas, assim como a densificação das já existentes nas áreas centrais e suburbanas na capital.
Nas metrópoles brasileiras (anos 70/80), verificou-se que os diversos tipos de integração econômica representaram a segregação na esfera do consumo, já que nem todos possuem condições financeiras de interagirem no âmbito do mercado, gerando desta forma a desigualdade de classes. A própria distribuição socioespacial dos sujeitos, ao longo dos anos, representou a dualidade centro-periferia com as suas peculiaridades, já que o Centro oferece todas as condições de acesso à cidadania em contraste com as ofertas de serviços nas regiões periféricas. Fomentando toda essa dualidade, encontra-se o Estado e a sua omissão frente à realidade das periferias brasileiras.
Cabe destacar que na conjuntura da década de 80, há uma grande reformulação nas periferias, seja pela crise econômica estatal, seja pela valorização das áreas periféricas consolidadas, dificultando o acesso aos segmentos mais abastados aos planos habitacionais.
Constata-se que no decorrer da década de 80 a situação socioeconômica desfavorável dos segmentos mais abastados foi fator que inviabilizou o acesso ao crédito, consequência da realidade econômica do país e instabilidade do emprego. O acesso ao mercado informal de moradia, via loteamentos populares, se deu de forma intensa.
A questão centro-periferia teve na segregação o seu principal vetor, em função da redução da distância física entre ricos e pobres, autosegregação das camadas superiores e médias, e pela segregação compulsória das camadas inferiores em espaços entendidos como disfuncionais para a economia urbana e de risco para a ordem urbana.
O modelo dualista homogeneizou vastas áreas nas metrópoles, ainda que o espaço metropolitano seja mais complexo do que o apresentado pelo núcleo-periferia.
A autora questiona se os novos arranjos territoriais na (re) produção das desigualdades sociais, nas metrópoles brasileiras representarão a redistribuição dos mecanismos de acesso a uma vida digna.
Os trabalhadores brasileiros, nas metrópoles em particular, vêem-se mais empobrecidos e vulneráveis quanto à renda e ao trabalho formal. Contudo, a autora destaca o Rio de Janeiro das demais metrópoles frente a este quadro socioeconômico. A perda de posição para São Paulo, desde os anos 40, no ranking das mais bem estruturadas metrópoles do país, é apontado como um dos motivos pelo qual a crise vem se agravando desde antes dos anos 80. Outro fator foi o deslocamento da capital para Brasília, na déc. de 60.
Esta instabilidade observada no Estado do Rio é entendida de duas formas: a perda da capacidade competitiva das indústrias a partir da migração das grandes empresas para São Paulo e Belo Horizonte e a perda de atratividade para alocar grandes empresas, sobretudo a partir da migração dos grandes bancos para São Paulo.
Tais acontecimentos, porém, não foram suficientes para afastar o Rio da segunda colocação entre os estados com maior concentração populacional e atividade econômica da Brasil. No entanto, este contou com o menor índice de taxa de crescimento demográfico, 1,1 % ao ano, frente a outras metrópoles. Outro dado aponta para uma parcela maior de trabalhadores em atividades manuais, entre os anos de 1991 e 2000, destacando-se o setor terciário. Tal dado aponta para uma maior precarização do trabalho na área metropolitana fluminense. Já entre os trabalhos que mais empregavam de forma ilegal (sem carteira) ou autônomos destacam-se em 2000, os operários da construção, os ambulantes, os prestadores de serviço especializados e os trabalhadores domésticos. (p. 8).
Já o setor primário, ou industrial, apresentou uma crise explicada pela diminuição dos postos de trabalho, sobretudo na indústria tradicional de 7% para 3,9%. A estas porcentagens somam-se os trabalhadores sem carteira e autônomos da indústria, que chegavam a 57% em 2000. Já os trabalhadores em serviços auxiliares a indústria tiveram um pequeno aumento. Estas percentagens referentes ao “mundo popular” tenderam a se manter estáveis na região metropolitana com exceção dos trabalhadores domésticos e da construção, que apresentaram queda em certas regiões e altas em outras.
No que se refere ao setor médio e superior, a autora apresenta destaque para maior participação dos trabalhadores se nível superior. Porém não há um padrão quanto às tendências assumidas nas diversas categorias profissionais. Aponta queda entre os funcionários públicos, elevação entre os profissionais do setor privado, tanto os empregados quanto os autônomos e um padrão no setor dos professores universitários. Já aqueles empregados nas atividades médias apresentaram queda frente aos profissionais da saúde e educação, que apresentaram aumentos em suas áreas.
A autora passa às alterações sócio-espaciais na metrópole do Rio de janeiro e aponta para uma configuração hierarquizada que expressa uma complexa estrutura social. Identifica uma dualidade núcleo-periferia extremamente polarizada do tipo superior e popular. Em seus pólos existem variações sociais que tiram seu esperado caráter homogêneo. Suas análises destacaram duas principais tendências na estruturação espacial na metrópole fluminense nos anos 80: nos espaços mais valorizados aponta-se a presença de elitização e favelização e nos espaços periféricos uma diversificação social em áreas restritas. Nas áreas elitizadas houve uma entrada massiva do capital imobiliário sendo responsável pelas mudanças do uso do espaço construído com maior parcela de profissionais de nível superior. Estas áreas tronaram-se cada vez mais restritas às camadas empobrecidas, gerando um crescimento das favelas locais e até o surgimento de novas favelas.
Já na periferia houve um movimento voltado a novos investimentos imobiliários, ocasionando uma mudança no perfil habitacional. Tal movimento é chamado pela autora de “expansão das fronteiras do núcleo” (p.10). Observa-se que juntamente com os padrões habitacionais também há um avanço nas condições de ensino das camadas médias sem, no entanto modificar o peso da classe operária e do setor de comercio nestas zonas. Para além dos empreendimentos imobiliários também se investiu, a partir dos anos 90, em Shopping Centers e, de forma parcial, em investimentos públicos.
Com relação aos anos 90, sob um contexto de ausência de políticas habitacionais voltados aos setores médios inferiores, houve um processo de elitização das áreas de habitacionais das camadas abastadas. O que se percebeu foi o aumento dos profissionais de nível superior o que configura uma elitização destes espaços. Tal processo acontece concomitantemente ao aumento da participação dos trabalhadores manuais em serviços especializados, indicando uma tendência a proletarização. Desta forma, o que se conclui é a permanente elitização das áreas nobres e conseqüente fechamento destas às camadas médias e proletárias.
Lançando olhar sobre as zonas operário/ popular, contatou-se um aumento relativo dos profissionais de nível superior e de trabalhadores manuais em serviços especializados, configurando uma diversificação social dentro desta classificação. Neste universo destacam-se áreas com elevada tendência do perfil social, como é o caso de Mangaratiba e Maricá. Estas cidades apresentam grande potencial para o turismo litorâneo, estando situadas na “Costa verde” “Costa do Sol”. Já em áreas de periferia distante, como Japeri, Itaguai e Paracambi, destaca-se um crescimento das atividades de trabalho inferiores (domesticas, prestadores de serviços e ambulantes).
Outro ponto abordado pela autora e a questão do fluxo diário casa- trabalho. Porém antes de introduzir tal questão, ela faz referencia a um indicador relevante para a sua abordagem. Assim, segundo o PNAD, houve uma evolução na taxa de desemprego, na metrópole do Rio de Janeiro entre os anos de 1992 e 2001. Desta forma, para uma abordagem das condições de acesso a bens e serviços urbanos referenciada no local de habitação é necessário considerar a parcela de desempregados. Percebe-se que nas áreas periféricas, era concomitante o percentual o crescimento dos setores médios empregados e de trabalhadores desempregados. Fica clara assim a tese da imobilidade dos pobres. Isso dado que estes desempregados das periferias estariam reféns dos autos preços das passagens do transporte público e impossibilitados de circular pela cidade.
Tomando as condições de mobilidade, percebe-se que a sua intensificação resulta da dinâmica de hierarquia territorial entre centros e subcentros econômicos, o acesso a transporte coletivo, referente ao itinerário, periodicidade e tarifas, além da disposição dos setores sociais segundos os bairros. Medir a distancia casa- trabalho e o tempo gasto neste percurso revelam os níveis de desigualdade social.
Embora entre os anos 1980 e 2000, não se tenha observado aumento nem redução no peso dos fluxos diários, de modo a induzir que não há uma questão de imobilidade dos trabalhadores, tais indicadores podem ser contestados. Isso dado que em geral, os trabalhadores dos municípios periféricos empregam-se na própria cidade onde reside. Desta forma a autora afirma que este fenômeno era e ainda é elevado entre as áreas de periferia.
Entre os dados dos trabalhadores que se deslocam de seu município para trabalhar/ estudar em outro, observa-se que há uma maior intensidade de circulação de mão de obra para municípios mais próximos entre sim, dentro da zona metropolitana. Contudo, a cidade do Rio de Janeiro continua atraindo o maior número de trabalhadores, seguido de Niterói.
A autora passa a utilizar dois municípios, Japeri e Nova Iguaçu, do modo a mostrar sua polaridade quanto aos dados de mobilidade pendular. O segundo apresenta um índice de trabalhadores que trabalham no próprio município de 61%, enquanto no primeiro esse cai para 45%. Ela parte então para as atividades laborais que se destacam nestes dois municípios. O que surge são ocupações localizadas de forma extrema na hierarquia social: ambulantes/ biscates e empregadores. Entre os que buscam trabalho em outros centros e cidades, destacam-se aqueles em ocupações de nível médio e domésticas.
Entre as classes médias vindas das áreas periféricas, a maioria não é absorvida pelo mercado de trabalho de suas cidades. Porém, entre os profissionais de nível superior e pequenos empregadores, houve uma maior absorção pelo mercado local. Assim, o que infere é uma “descentralização positiva”, segundo a autora, que caminha para as periferias de forma formal ou informal. No outro extremo, os trabalhadores mais pauperizados acabam em atividades no próprio município, dado a precariedade das condições salariais e de trabalho. Daí decorre a chamada “descentralização perversa”.





Por Pablo Landes, João Ricardo e José Aloísio.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Favelário Nacional - por Drummond de Andrade

A memória de Alceu Amoroso Lima, que me convidou a olhar para as favelas do Rio de Janeiro.

Favelário Nacional


1. Prosopopéia

Quem sou eu para te cantar, favela,
que cantas em mim e para ninguém a noite inteira de sexta
e a noite inteira de sábado
e nos desconheces, como igualmente não te conhecemos?

Sei apenas do teu mau cheiro: baixou a mim, na vibração,
direto, rápido, telegrama nasal
anunciando morte... melhor, tua vida.

Decoro teus nomes. Eles
jorram na enxurrada entre detritos
da grande chuva de janeiro de 1966
em noites e dias e pesadelos consecutivos.

Sinto, de lembrar, essas feridas descascadas na perna esquerda
chamadas Portão Vermelho, Tucano, Morro do Nheco,
Sacopã, Cabritos, Guararapes, Barreira do Vasco,
Catacumba catacumbal tonitruante no passado,
e vem logo Urubus e vem logo Esqueleto,
Tabajaras estronda tambores de guerra,
Cantagalo e Pavão soberbos na miséria,
a suculenta Mangueira escorrendo caldo de samba,
Sacramento... Acorda, Caracol. Atenção, Pretos Forros!

O mundo pode acabar esta noite, não como nas Escrituras se estatui.
Vai desabar, grampiola por grampiola,
trapizonga por trapizonga,
tamanco, violão, trempe, carteira profissional, essas drogas todas,
esses tesouros teus, altas alfaias.
Vai desabar, vai desabar
o teto de zinco marchetado de estrelas naturais
e todos, ó ainda inocentes, ó marginais estabelecidos, morrereis
pela ira de Deus, mal governada.

Padecemos este pânico, mas
o que se passa no morro é um passar diferente,
dor própria, código fechado: Não se meta,
paisano dos baixos da Zona Sul.
Tua dignidade é teu isolamento por cima da gente.
Não sei subir teus caminhos de rato, de cobra e baseado,
tuas perambeiras, templos de Mamalapunam
em suspensão carioca.

Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer,
medo só de te sentir, encravada
favela, erisipela, mal-do-monte
na coxa flava do Rio de Janeiro.

Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver.
Nem de tua manha nem de teu olhar.
Medo de que sintas como sou culpado
e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.

Custa ser irmão,
custa abandonar nossos privilégios e
traçar a planta
da justa igualdade.

Somos desiguais
e queremos ser
sempre desiguais.
E queremos ser
bonzinhos benévolos
comedidamente
sociologicamente
mui bem comportados.

Mas favela, ciao,
que este nosso papo
está ficando tão desagradável.
Vês que perdi o tom e a empáfia do começo?


Carlos Drummond de Andrade

Ilustrado por Tatina Neves.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O presente relatório tem por objetivo descrever, bem como analisar a visita realizada no Orla de Copacabana no dia 01/07/10 às 14:30, sendo esta uma atividade da disciplina Núcleo Temático ministrada pela professora Rosemeire Maia no Curso de Serviço Social da UFRJ.
No campo percebemos que a organização espacial se constitui como um espaço geográfico provido de diversos equipamentos tais como: bicicletário, equipamentos para realização de atividade física, balisa na areia para jogos de futebol, lixeiras por toda a Orla e etc.
Logo de cara nos deparamos com uma visão do que podemos considerar com invasão do espaço público pelo privado, que seria a ocupação de uma faixa litorânea por organizações/entidades privadas para fins de promover uma atividade "cultural", vinculando a divulgação de marcas de grandes corporações, tudo isso com a concessão da prefeitura municipal.
A presença ostensiva da polícia militar, através de postos de vigilância e fiscalização, além de diversas viaturas, não somente na área de circulação de veículos, como também presente na faixa de areia, com o intuito de manter uma "ordem" aparente.
Além disso, vimos a presença de ônibus com o logotipo da prefeitura municipal, com escritos: choque de ordem/ acolhimento social, que na verdade representa a recolha de
famílias de moradores em situação de rua dos principais pontos turísticos da cidade, carros-guincho que podem ser interpretados como remoção de veículos em situação irregular, além das câmeras de segurança para o "controle" da população transeunte.
Percebemos o processo de revitalização da Orla, sobretudo através dos novos quiosques , que custaram aos cofres públicos cerca de 1 milhão e 300 mil reais cada um.
Por Pablo Landes e Tatiana Neves (TEXTO);
José Aloísio, João Ricardo e Tatiana Neves (FOTOS)